ATÉ QUANDO BOLSONARO SEGUIRÁ MENTINDO, ENQUANTO DESTRÓI A AMAZÔNIA E A ECONOMIA DO BRASIL?

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Brasília, 20 de Novembro de 2020

A fala do presidente Bolsonaro na reunião dos BRICS¹ no dia 17, sobre o trabalho da Polícia Federal na fiscalização e controle das exportações de madeira brasileira traz à tona informações extremamente controversas sobre as questões ligadas a exploração ilegal de madeira no Brasil e expõe toda a cadeia produtiva ligada ao setor florestal.

Porém, o mais grave desse episódio é o conjunto de falácias usadas pelo presidente Bolsonaro para justificar sua guerra ideológica contra países críticos à sua política ambiental. Bolsonaro deixa a entender que a principal causa do desmatamento da Amazônia é a exportação ilegal de madeira. Ainda pior, tenta caracterizar um conjunto específico de países importadores como coniventes com esse desmatamento, fazendo um recorte de países europeus, sem maiores explicações, na tentativa de expor possíveis contradições entre o discurso ambientalista dessas nações e as importações de madeira ilegal.

Ao citar o estudo do “DNA” para rastreamento de origem da madeira, o presidente demonstra imenso desconhecimento sobre o tema, já que na verdade o trabalho está relacionado a pesquisas na área de isótopos estáveis, campo das ciências forenses largamente aplicado no mundo para determinação de origem geográfica de evidências criminais.

Pode-se comprovar mais detalhes sobre essa metodologia a partir da entrevista dada ao vice-presidente, Hamilton Mourão, no programa de rádio “Por Dentro da Amazônia”² no dia 16/11, onde o superintendente da Polícia Federal do Amazonas trouxe à tona essa linha investigativa.

Tal ferramenta vem sendo desenvolvida pela PF, em especial no estado do Amazonas, com o objetivo de auxiliar na determinação da origem da madeira explorada na região. No entanto, pouca informação técnica sobre essas pesquisas foi citada tanto nas falas do presidente quanto na entrevista dada a Mourão, o que deixa lacunas importantes a serem preenchidas pela Polícia Federal quanto à aplicabilidade da técnica usando isótopos estáveis.

O que fica claro nesse episódio é a tentativa desesperada de desviar o foco e encobrir as reais causas do aumento do desmatamento, que tem como principal motor a disputa por território travada por grileiros e agropecuárias especuladores de terras, componentes importantes da base de apoio a Bolsonaro na região. Tais atores praticam os piores tipos de crimes ambientais para expandir suas fazendas sobre as áreas de florestas nativas.

Nesse processo, a exploração de madeira ilegal se torna praticamente um fator colateral, onde a retirada de árvores de maior valor pelos madeireiros ilegais se converte em um mecanismo para desestruturar esses ecossistemas florestais naturalmente úmidos, tornando-os susceptíveis ao fogo assim que a umidade é reduzida pela entrada dos raios solares através das clareiras deixadas pelas grandes árvores abatidas.

Em muitas situações, enormes volumes de madeira são queimados ainda de pé, expondo o verdadeiro objetivo desse tipo de crime ambiental: a abertura de pastagens ilegais.

No entanto, os volumes de madeira produzidos pelo corte sem critérios da floresta são enormes, abarrotando o mercado madeireiro de produtos ilegais que se misturam à produção legalizada. Isso torna o processo de fiscalização extremamente complexo e cria brechas para a produção de documentação falsa e regularização de volumes enormes de madeira ilegal.

Diferente da produção ilegal, existem planos de manejo autorizados para a extração sustentável de madeira. Para sua aprovação e consequente documentação, esses planos devem respeitar regras que garantam a continuidade da floresta e consequentemente os estoques madeireiros a longo prazo. Nesse caso, não pode haver a substituição das áreas de florestas por outras atividades produtivas. Este modelo de uso sustentável da floresta produz renda e empregos mantendo a floresta em pé.

Nesse cenário, podemos destacar as concessões florestais nas Florestas Nacionais, onde empresas monitoradas pelo Serviço Florestal Brasileiro, pelo Ibama e pelo ICMBio tem obrigações socioambientais a serem cumpridas a fim de terem o direito de explorar florestas em terras da União. Esses são certamente os melhores modelos de exploração sustentável em atividade no Brasil hoje, garantindo empregos de qualidade e incrementando a economia das regiões onde estão instalados ao mesmo tempo em que mantém as florestas de pé, sem perdas de biodiversidade.

Porém, as empresas participantes das concessões florestais encontram enormes dificuldades de competitividade no mercado interno brasileiro ao confrontarem os exploradores ilegais, que possuem custos de produção absolutamente mais baixos, já que não respeitam direitos trabalhistas, impostos, leis ambientais, dentre outras regras socioambientais garantidas na nossa constituição. Isso faz com que o valor das madeiras no mercado interno seja muito baixo, tornando inviáveis os custos de produção das empresas que buscam fazer a exploração sustentável.

No entanto, existem mercados internacionais que prezam por produtos com elevado grau de legalidade e que por isso estão dispostos a pagar valores mais elevados. É nesse contexto que as concessões florestais encontram viabilidade competitiva, pois são as únicas capazes de atender a tais exigências e por isso conseguem preços justos em seus produtos.

Ao facilitar a exportação de madeira ilegal³ e desviar o foco da verdadeira série causal do desmatamento para as exportações, Bolsonaro dá dois golpes no setor florestal Brasileiro, acobertando os maiores criminosos ambientais e destruindo mercados que tornam viáveis os melhores modelos de exploração sustentável em atividade na região amazônica.

Dados de recente publicação do Ibama mostram que somente 9% da produção madeireira de espécies nativas é exportado. O país que mais importa madeira brasileira é o Estados Unidos (25%), seguido da Holanda (8%) e França (7%). Assim, nota-se que o discurso de Bolsonaro não encontra amparo nem mesmo em publicações oficiais do próprio governo.

É importante dizer que o setor florestal como um todo é extremamente complexo, sendo permeado de ilegalidades em todas as suas etapas, mas sem dúvida, a tarefa de torná-lo um setor produtivo saudável e legal passa por fomentar quem busca fazer a coisa certa, ao mesmo tempo em que é preciso coibir duramente o crime ambiental, buscando atingi-lo onde este é mais forte.

Esse sempre foi um dos principais objetivos de órgão ambientais como IBAMA, Serviço Florestal e ICMBio, que acumulam enorme experiência e conhecimento nessa área. Porém, o mesmo presidente que aponta o dedo para países europeus pela culpa do desmatamento, vem destruindo sistematicamente as capacidades desses órgãos de atuar contra o crime ambiental e estruturar um setor florestal sustentável no Brasil.

Ao mesmo tempo que é responsável por um aumento histórico do desmatamento, o governo Bolsonaro prejudica mercados que viabilizam a produção sustentável de madeira na Amazônia.

As ações do governo Bolsonaro nesse desmonte tem sido denunciadas diuturnamente pela ASCEMA Nacional e deixam claro as intenções desse governo. Esse novo discurso, permeado de falácias e trapalhadas interpretativas, mantém a mesma essência de sempre, onde os verdadeiros desmatadores sequer foram citados e a culpa novamente se volta para inimigos improváveis, criados por um imaginário ideológico retrógrado e avesso ao contexto ambiental. Fica claro o discurso oportunista e irresponsável que põe em xeque mercados importantes para a nação, ao mesmo tempo que expõe trabalhos científicos sérios, ainda em desenvolvimento pelas instituições de combate ao crime ambiental, usando-os como cavalo de batalha na sua guerra ideológica irracional, contra o patrimônio natural e a própria economia do Brasil.

1 https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2020/11/sem-conter-exploracao-ilegal-de-madeira-bolsonaro-exporta-culpapara-europeus.shtml

2 https://redenacionalderadio.com.br/programas/por-dentro-da-amazonia/16-11-20-por-dentro-da-amazonia.mp3/view

3 https://theintercept.com/2020/03/04/ibama-salles-exportacao-madeira-nativa/

4 http://ibama.gov.br/flora-e-madeira/publicacoes

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